Monday, April 3, 2017

Deixei que as horas morassem em mim infinitamente, talvez porque me faltava espaço em torno, ou porque o dentro se confundia com o fora e os dias com os meses, e os anos com as horas. O tempo comeu parte da nossa existência e tu abandonaste a casa, onde a minha solidão habitava. Agora a sala tem apenas os sofás das tias velhas e os sons antigos que já não dizem nada.
mas já não me fazes falta.
Sentei-me sempre do lado mais frio do meu corpo.

Wednesday, March 29, 2017

Vivemos juntos numa fotografia do tempo, onde o salitre mora nas paredes da casa por fabricar. fogem  palavras secas da tua boca fechada de expressão e na nossa pele há marcas passadas de dias felizes. em cima da mesa da sala ficou a fruteira velha de damascos ásperos na língua e eu já não sou quem era. o jardim da casa sussurra os nossos nomes tantas vezes quantas são precisas para deixarem de fazer sentido e deixarmos de existir, enquanto os corpos, envelhecidos, desaparecem no ar pesado de um dia cinza claro.
faltamos a todos os encontros marcados, mesmo aos que não faziam sentido nenhum faltar - bilhetes caducados no fundo da mala guardada em gaveta fechada.

Monday, October 4, 2010

por debaixo da película dos meus dias, as escamas da minha pele são da cor dos teus olhos.

Monday, May 3, 2010

descontextualizo-me no tempo. abro a janela da casa e deixo os braços pendurados ao sol.
falta tão pouco tempo para me dizeres que sim. descobri que os teus olhos não são impremeáveis à minha tristeza, que trazem o vento quente do oriente e as palavras do fim do mundo.
os meus braços pesam na janela da casa e perdi todos os comboios que havia para perder. já não tenho tempo e os meus dias passam iguais.
tardas em chegar.
demoro-me do lado de fora do dentro da casa.
descontextualizo-me do espaço.
desconheço-me. estranho-me despida em frente a mim.
nada em cima da mesa, e a casa ficou vazia. não habito nela há tanto tempo que nem me lembro a que cheira. dantes ouvia-lhe as paredes e os dias na entrada. havia sempre gente para almoçar. hoje fecharam-se as portadas e as gargalhadas, e os dias claros na entrada.
faltas na casa.

Sunday, February 14, 2010

está velha a pele dos teus ombros e cheira ao sol do outro lado do mundo. abandonas sempre os teus dias e o corpo no canto da casa, e escorrem te nos ombros as horas fechadas que te esticam a pele e te fazem gritar. passas o tempo longe, fora dos olhos, e dos braços, e das pernas compridas que esticas e atiras para o lado. nunca te fazes acompanhar. podias sentar te aqui, mais perto. mais ao meu lado. podias deixar a tua vontade debaixo dessa almofada e vir sentar te aqui, com todos esses pesos que carregas fechados. anda. conta me o outro lado.